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História de Nova Serrana

Fonte: Orlando Ferreira de Freitas e Maria Beatriz de Freitas (Livro Origens de Nova Serrana)

O lugarejo que viria a ser Nova Serrana surgiu durante o século XVIII, nos primeiros tempos da colonização das Minas Gerais, época em que aventureiros de todas as regiões da América Portuguesa e reinóis buscavam novas minas de metais preciosos. Foi nesse contexto que nasceu o “Cercado”, inicialmente uma paragem que contava apenas com um curral e uma hospedaria para viajantes e, mais tarde, ao longo do século XIX, viria a se constituir um arraial. Apesar da proximidade de Pitangui, o Cercado nunca se destacou como centro produtor de ouro, mas a economia mineira dos séculos XVIII e XIX era muito mais complexa, sendo as atividades agropastoris muito importantes para a constituição de uma economia sólida.  Os anos passaram, mas a vida, a dinâmica e as relações culturais pareciam paralisadas no tempo e no espaço. Mas isso mudaria drasticamente, pois a modernidade atingiu em cheio o pequenino Cercado.  De tradicional pólo produtor de artefatos de couro, que garantia a subsistência de muitos de seus moradores desde o século XIX, a já então Nova Serrana tornar-se-ia um dos principais pólos produtores calçadista do Brasil. Na segunda metade do século XX, Nova Serrana (antigo arraial do Cercado) viria se constituir na capital nacional do calçado esportivo. Uma das conseqüências desse fato foi o rápido crescimento econômico, demográfico, o que ocasionou transformações urbanísticas, políticas, sociais e naturalmente, culturais.

Localizada na região do alto São Francisco, Centro Oeste de Minas Gerais, Nova Serrana localiza-se na região que outrora correspondia aos sertões da Capitania de Minas Gerais. A busca do ouro, intimamente ligada a importantes Vilas do período colonial como Ouro Preto, Diamantina, Sabará, São João Del Rei, Pitangui, dentre outras, se tornaram centros urbanos importantes. Nova Serrana (Cercado) pertencia ao Termo de Pitangui, e apesar de relativa proximidade a um dos mais importantes centros produtores de ouro da capitania, o Cercado pertencia aos “Sertões das Minas Gerais”, ou seja, terras cuja importância residia em abastecer os centros urbanos mais salientes com víveres e outros gêneros.

A região do Cercado era repleta de índios “bravos”, os Cataguases, como apontam os achados em cerâmica (igaçabas, panelas e/ou vasos) entre outros artefatos. A nação dos Cataguases ocupava desde a região sul e Oeste de Minas e estavam entre o que mais aterrorizavam os primeiros habitantes. É por isso que em várias localidades desta região se encontra uma relação muito grande com o termo “Conquista”, “Fazenda da Conquista”, “Ribeirão Conquista” e outras nomeações referentes a este fato.

Mais tarde, em meados do século XVIII a região do Cercado foi tomada por escravos fugitivos (quilombolas). Existiram vários quilombos na região em que hoje se localiza Nova serrana e sua vizinhança, como o Quilombo da Saúde, chamado também de Quilombo do Lambari, ou ainda, Quilombo dos Coqueiros. “Estes núcleos de escravos fugitivos situavam-se, aproximadamente, onde hoje abrange as regiões de Cana do Reino e Engenho, e chegava até a Cachoeira ou Fazenda dos Crioulos. (..) Não há registro explícito sobre o fim desses quilombos no território de Nova Serrana nem tampouco sobre os seus autores.” Eis um dos relatos, que atestam a existência destes Quilombos na região de Nova Serrana. 

Em 1809, por ocasião do falecimento de Laurinda Maria Clara, a segunda das três esposas de José Correia de Melo, no seu inventário de partilha constavam terras situadas no Mato Dentro e na Barra do Macuco. A fazenda Mato Dentro era assim descrita: ‘...Huma Fazenda de Agricultura e Campos denominada matto dentro que parte com o Quilombo com Domingos da Costa ou seos erdeiros e com Manoel Antônio Teixeira e com a Boa Vista com suas casas de vivendas cobertas de telhas que sendo vistas e examinadas por elles avaliadores...’. Esse Quilombo tomava terras dos atuais municípios de Leandro Ferreira, Conceição do Pará e Nova Serrana.

Mais tarde havia, na região, fazendas destinadas à agricultura e com o trabalho escravo largamente explorado na cultura de algodão, mandioca, fumo e cana de açúcar, bem como nos engenhos de açúcar e nas fábricas de polvilho e de farinha de mandioca.

Da mesma forma que se encontram ruínas de fazendas de engenho e senzalas, no distrito de Boa Vista de Minas. O “Cercado” localizava-se no caminho que ligava São Paulo, na direção das regiões auríferas do Centro de Minas Gerais e às Minas de Goiás. O “Cercado” foi um ponto de pousada de viajantes, percorrendo estradas no contrabando de ouro. Como no lugar existia um cercado para a guarda de animais dos viajantes, o povoado ficou conhecido com o nome de “Cercado”. “Á época dos primeiros descobertos auríferos nas Minas Gerais, o vale do Rio São Francisco se achava povoado e repleto de ‘currais’, denominação das fazendas dedicadas à criação de gado, dentre as quais muitas pertencentes à Companhia de Jesus”, ao longo das trilhas abertas, surgiram as primeiras hospedarias, fazendas e povoados. Nesta época “núcleos começam a pontilhar-se pela região [das Minas], e muito rapidamente se multiplicaram, praticamente por quantas ‘catas’ ou minerações que se instalavam”.

Após a abertura de novos caminhos que ligassem o sul da capitania de Minas às minas de Pitangui e Paracatu, “que se deu a fundação da Fazenda Barra Grande do Cercado, embrião do Distrito do ‘Cercado’, criada em 1869.”

O progresso do arraial não foi incentivado pelas lavras de ouro e sim pela cultura do algodão e criação de gado, portanto, produtor e fornecedor de couro, incrementada em grande parte por três famílias de portugueses que aqui se radicaram: os “Pinto da Fonseca”, ”Rodrigues de Carvalho” e os “Soares Silva”.

Mais tarde a região foi denominada como Distrito de “Cercado de Pitangui”. Os ranchos desempenhavam um papel importante à beira das estradas e eram importantes na economia das regiões transitadas por tropeiros e viandantes. Eram nesses lugares que as tropas abasteciam para seguirem viagem, compravam milho para as mulas, se alimentavam e descansavam nessas paradas. Era nesses arredores que se encontrava também a venda, um comércio que abastecia os moradores da região. Por ali se encontravam diversas mercadorias como “a cachaça, o sal, o açúcar, o feijão a carne seca, até ferraduras, fumo em corda, armas de fogo, cabeças de alho e livro de missa.”

Outro fator importante para a formação do povoado do “Cercado” foi o conserto de selas, através do trabalho com o couro iniciou-se o artesanato para o conserto e fabricação de calçado. Legítimos e pioneiros possuidores do solo “cercadense” foram, sem dúvida, os valentes construtores das vias que permitiram o acesso aos sertões bravios, e que a duras penas, levantaram seus primeiros ranchos, produziram e povoaram o lugar. Os primeiros artesãos do couro apareceram na região após a segunda geração dos primeiros povoadores. Nesta época, quase todas as pessoas andavam descalço, o que ocorreu até mesmo nos primeiros tempos da emancipação de Nova Serrana. Um Senhor chamado João Soares Vieira, iniciou o ramo de sapataria fabricando botas. Comprou uma ‘banca’ completa: uma mesa, sovela, torquês, martelo, avental, lamparina, etc... Existiu um outro sapateiro, morador do Cercado, por volta de 1844, chamado Antonio Ferreira de Carvalho. Foi ele o responsável pela confecção de botas durante muitos anos. O sapateiro Antonio era também seleiro e, ao que tudo indica era um escultor, pois cabia a ele confeccionar as formas de madeira adequadas para os pés do cliente. Jacinto Martins Vieira, que era seu cliente, usava a bota chamada, na época, “cano canhão”, com o cano comprido, terminando próximo aos joelhos com uma dobra para o exterior (...).A Fabricação de botas continuou por muito tempo, até a chegada da confecção de sapatos.

As sapatarias registradas começaram a existir por volta de 1941. Quando o Senhor “Geny José Ferreira teve como mestre, Venerando Viana, exímio sapateiro e proprietário da sapataria Vitória, em Bom Despacho”, onde fazia botinas para a polícia. Uma vez que não podia mais ficar no povoado do Cercado, devido alguns conflitos com a família ele foi para Bom Despacho tentar a uma vida melhor. “A produção inicial da Sapataria de Geny, registrada com o nome de Fábrica de Calçados Oeste, era pequena fabricava cerca de vinte pares de botinas por dia, de forma muito artesanal (...)” Antes fazia tudo à mão, depois comprou uma máquina, mas ainda usava pregos e grude para fabricar suas botinas. Este contato trazia a primeira indústria de calçados para o município e deixava outros sapateiros importantes para a cidade, com o José Pinto Firmino (‘Pintinho’), José Silva Almeida (‘Zezito’), Valdomiro Amaral (‘Miro’), Alvimar Coelho, Sebastião Fábio (‘Pedro Rosa’) e Romeu Coelho. Fazer sapato não era muito fácil, mesmo tendo curtumes na localidade era necessário comprar materiais em Belo Horizonte, faltava luz elétrica, tudo era artesanal, pregado à mão com tachinha, “ia pregando, aparando e dando acabamento, modelando a botina”, lixava a botina com cacos de vidros e queimava as pontas das linhas na lamparina.

Todo esse crescimento das primeiras manufaturas de calçados coincidiu com a  emancipação política de Nova Serrana. As primeiras indústrias surgiram com características estritamente domésticas, onde a própria família assumia todo o serviço. O couro era produzido no município e mais tarde era necessário buscar insumos em Belo Horizonte. As fábricas, em sua simplicidade, produziam pequenas quantidades de calçados e que atendiam apenas ao mercado da região de Minas Gerais.

No ano de 1954, o Distrito foi elevado à categoria de cidade, tendo a instalação ocorrida em 01 de janeiro de 1954, nas dependências do Grupo Escolar Major Agenor, com participação popular e com a presença de autoridades como Pedro Martins do Espírito Santo - Juiz de Paz, Dr. Paulo Campos Guimarães - deputado estadual, Antero Rocha - Prefeito Municipal de Pitangui, Dr. Sebastião Guimarães - Prefeito Municipal de Divinópolis, Dr. Gumercindo Gomes Guimarães - advogado em Pitangui e o Pe. Antonio  Pontelo - Pároco de Pitangui. Esse foi sem dúvida um importante marco para o desenvolvimento da cidade, fruto da ação das forças políticas locais, muitas das quais ligadas aos pioneiros da produção de calçados. O nome da cidade que nascia: Nova Serrana é uma homenagem à cidade de Pitangui, antes conhecida na região como Velha Serrana.

Após a emancipação política a vida começava a mudar, ainda que timidamente. Com o crescimento urbano e populacional mudaram-se também os hábitos, as estratégias políticas, as conquistas de infra-estrutura e a forma de se ver a cidade. Em pouco tempo a população perceberia que Nova Serrana não era mais um arraial. No próximo sub item abordaremos e analisaremos o crescimento da cidade a partir de diferentes lugares.

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